A adoção das normas do padrão contábil internacional, International Financial Reporting Standards (IFRS), deve trazer reflexos na avaliação das empresas, no pagamento de dividendos e na exposição de dívida de cada companhia.
Para alguns setores, no entanto, como o imobiliário, do agronegócio e de concessões, essas mudanças devem ser mais significativas.
No caso do setor de agronegócio, as empresas terão que passar a contabilizar o valor justo de ativos biológicos, como a plantação agrícola ou a criação de animais.
A internacional IAS 41 (sigla para padrão contábil internacional) determina que essa contabilização seja feita agora pelo valor de mercado desses ativos.
Antes isso era contabilizado, segundo o sócio da KPMG e líder na área de implantação de convergência contábil do IFRS da auditoria, Ramon Jubels, pelo custo investido na produção. "A partir de agora, as empresas terão que utilizar modelos próprios para mensurar o valor de sua produção ou plantação de acordo com o estágio de maturação que se encontra", afirma.
Segundo o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Eliseu Martins, no caso de commodities, as empresas devem contabilizar o valor da sua colheita ou criação, mesmo que ainda não tenham realizado a venda desses produtos. "A empresa reconhece um ganho que já aconteceu, mas cuja realização financeira ainda não foi finalizada", diz.
A dúvida, porém, está quanto à contabilização de ativos, como um terreno com determinado tipo de plantação que não tem precificação de mercado. Nesse caso, Jubels afirma que as empresas podem utilizar como parâmetro transações como o valor da venda de um ativo semelhante. "As empresas podem desenvolver seu próprio modelo de contabilização ou adotar algumas orientações que podem ajudar a precificar esses ativos", diz Jubels.
Segundo o executivo da KPMG, um dos temas que ainda vão trazer muita polêmica à aplicação do IFRS no País é o que trata dos demonstrativos contábeis das empresas que operam concessões de serviços públicos. As principais alterações dizem respeito à classificação dos ativos dessas companhias. Atualmente, entram nos balanços a infraestrutura com que operam, como, por exemplo, as estradas. Isso mudará radicalmente caso o Ifric 12, uma interpretação do Iasb sobre concessões, seja adotado no Brasil. De acordo com a alteração, essa infraestrutura sai dos balanços das empresas, pois pertencem ao Poder Público. Para Jubels, porém, ainda há muitas dúvidas sobre o tema. "A Europa ainda está discutindo a questão e não se decidiu sobre a adoção dessa interpretação", afirma Jubels.
Incorporação imobiliária
A mudança na rotina e nos números das empresas vai exigir melhor comunicação e gerenciamento, destaca Jubels. "Até a capacidade para pagar dividendos será impactada. As receitas que não vêm a valor faturado, mas a valor presente, com juros do financiamento, podem gerar redução no Ebitda", diz.
Se a rentabilidade é menor, a distribuição de proventos também será. Mas o impacto será variável entre os setores de atividade das companhias, que pode ser positivo ou negativo conforme o valor justo. Esta preocupação específica sobre dividendos vem sendo levantada especialmente sobre as empresas de incorporação. Essas companhias reconhecem receita por proporção do andamento da obra, mas a regra internacional define que a entrada dos recursos em caixa só pode ser contabilizada na transferência de risco, ou seja, na entrega das chaves para o comprador do imóvel.
Se as incorporadoras brasileiras tiverem que adotar na íntegra, só reconhecerão o restante dos lançamentos já iniciados pela métrica proporcional após as chaves, assim como os lançamentos - gerando uma lacuna de caixa no período intermediário. "Isso pode criar um 'gap' durante o período de transição das normas e do reconhecimento de receitas, mas ao longo do tempo há regularização do fluxo de caixa", diz o executivo da KPMG.
Martins lembra que este pronunciamento ainda não foi publicado e não está definida a sua adoção na íntegra ou modificada - apesar da tendência vista pelo mercado em outras minutas é de alteração mínima. "As incorporadoras na Europa funcionam de outra forma. O comprador dá dinheiro de antecipação para reserva do imóvel e compra o apartamento quanto estiver pronto", pondera Martins. Desta forma, a definição de comprador e proprietário, e dos riscos e obrigações desta figura, é diferenciada.
Mas o especialista destaca que alguns fatores que levam ao aumento de lucro já tiveram definidos seus impactos sobre dividendos. "O que já ficou definido pela MP 449 é que subvenção para investimentos, que temos muito, e prêmio na emissão de debêntures, que praticamente inexiste, podem aumentar o lucro e não aumentar o dividendo", diz. A subvenção ia direto para o patrimônio líquido, e não transitava pelo resultado.
(Maria Luíza Filgueiras, Silvia Rosa e Luciano Felt - Gazeta Mercantil)