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Márcia Pinto Rodrigues - A Medida Provisória nº 449, de 2008, amplamente divulgada como um ato de generosidade do governo para aliviar a carga tributária em um momento de crise econômica mundial, não ensejará grandes benefícios aos contribuintes, como propalado pelo fisco. Dentre as alterações e medidas trazidas pelo texto legal, a medida trata da remissão e do parcelamento de débitos tributários, mostrando a versão "bondosa" do governo, e não aquela que, como é sabido, impõe uma das maiores cargas tributárias do mundo, mas oferecendo, em um lamentável contraponto, uma prestação de serviços de terceiro mundo.
A Medida Provisória nº 449 estabelece, em seu artigo 14, a remissão dos débitos com a Fazenda pública que, em 31 de dezembro de 2007, estejam consolidados no importe de R$ 10 mil. A remissão nada mais é que o perdão, a dispensa do pagamento de créditos tributários e penalidades pelo Estado. Todavia, é necessário esclarecer que a remissão outorgada pela medida abrange apenas débitos que, em 31 de dezembro de 2007, estejam vencidos há cinco ou mais anos, ignorando, dessa forma, o instituto da prescrição, que por si só extingue o crédito tributário, bem como a Súmula Vinculante nº 8 do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Nesse ponto, é importante ressaltar que a Fazenda pública possui um prazo de cinco anos para ajuizar ações de cobrança de créditos tributários, contados a partir da constituição definitiva do mesmo, sendo que, após o decurso desse prazo sem a promoção da parte interessada, finda-se o conflito por prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes. E mais, o Supremo consolidou, através da Súmula Vinculante nº 8, que "são inconstitucionais o parágrafo do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.569, de 1977, e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 1991, que tratam de prescrição e decadência do crédito tributário", reconhecendo o prazo prescricional de cinco anos também para as contribuições previdenciárias.
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Nesse cenário, cumpre informar que o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria nº 49, parágrafo 1º, de abril de 2004, já autoriza o não-ajuizamento das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10 mil.
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É possível perceber, então, que o governo federal criou, paradoxalmente, o perdão de dívidas certamente já extintas, por não terem sido, em sua maior parte, sequer ajuizadas suas respectivas execuções, e portanto não poderiam mais ser cobradas, não tendo como prosperar as vãs afirmações de órgãos oficiais de que 1,6 milhão de empresas e 453 mil pessoas físicas serão beneficiadas. Em outras palavras, não existe qualquer perdão concedido pelo governo na Medida Provisória nº 449, mas apenas uma tentativa de iludir os desavisados, pois o que irá ocorrer, a bem da verdade, é um benefício ao próprio governo, que poderá esvaziar dos computadores da Receita Federal do Brasil estoques de dívidas prescritas, ou melhor, que não poderiam ser cobradas perante o Poder Judiciário.
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A Medida Provisória nº 449 também concedeu o parcelamento das dívidas vencidas até 31 de dezembro de 2005 e cujo valor não supere R$ 10 mil, excluindo, para tanto, as multas isoladas e as multas decorrentes de descumprimento de obrigações tributárias acessórias e de infrações à legislação penal e eleitoral. Entrementes, é inútil o dispositivo legal que permite o parcelamento de valor consolidado em montante superior à R$ 10 mil, desde que o valor excedente ao limite máximo fixado seja quitado à vista e sem as reduções previstas na medida provisória. Ora, qual é o contribuinte com débitos superiores a R$ 10 mil que se atreverá, no momento econômico atual de recessão generalizada, com aperto de liquidez, restrição creditícia e queda de volume de vendas, em pagar somente o dito valor parcelado e o restante à vista? Qual seria a real intenção do governo ao estabelecer esse inútil dispositivo legal, iludir o devedor de possíveis benefícios nesse caso?
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É importante que as empresas observem, no momento do parcelamento, os débitos abrangidos pela decadência e prescrição dos créditos tributários em cobrança pelo Executivo, para que não ocorra o absurdo pagamento de créditos tributários já extintos. Por fim, vale destacar que o parcelamento dos valores remanescentes do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) e do Parcelamento Especial (Paes) também beneficia o governo sob o rótulo de "bondade tributária", pois poderá ocorrer um acréscimo nos valores da dívida em favor da União, nos casos em que as empresas estiverem pagando ditos parcelamentos regularmente. Ou seja, para as empresas que estejam pagando regularmente o Refis ou o Paes, com a dívida corrigida pela TJLP, não tem qualquer cabimento reparcelar novamente os débitos, sendo que, no momento da consolidação da dívida em referência, será utilizada a Selic. Outra desvantagem para as empresas e benefício do fisco.
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A sociedade brasileira não pode fechar os olhos para os dispositivos acima citados da Medida Provisória nº 449, que em nada demonstram a almejada bondade tributária do Estado. Muito pelo contrário, deve ocorrer um esforço conjunto, perante o Congresso Nacional, para que sejam feitas modificações no texto da norma, de forma a gerar efetivos benefícios aos devedores.
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