"Um pacote de benefícios para sonegador." É assim que o presidente do Unafisco (que reúne os fiscais da Receita Federal), Pedro Delarue, define o Projeto de Lei nº 443/2008, de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS). A proposta, que tramita no Congresso, permite anistia tributária aos brasileiros que tiverem recursos não-declarados no exterior e que decidam trazer este dinheiro de volta ao País. Entre as benesses oferecidas às pessoas jurídicas e físicas estão: remissão de multas e juros; alíquotas reduzidas sobre impostos devidos; extinção da punabilidade penal e ganhos com a conversão do câmbio.
"O mais impressionante do projeto é que ele representa um enorme incentivo à sonegação em detrimento ao contribuinte que cumpre com suas obrigações, porque quem não pagou, vai pagar agora menos", afirma Delarue. Com um agravante, acrescenta o presidente da entidade: "Se o dinheiro está lá fora e será repatriado, obrigatoriamente, ele foi lavado. Ou seja, já houve um crime, fora o de sonegação".
No projeto, entretanto, a chance de pagar menos tributo não fica restrita aos recursos não-declarados no exterior. De acordo com estudo técnico preparado pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), se contribuinte incluir em sua declaração os bens que se encontram no País, haverá a incidência de uma alíquota de 8% sobre o recolhimento do Imposto de Renda (IR). Sobre os bens que estiverem fora do Brasil incidirá uma alíquota de 15%, que poderá ser reduzida a 8% caso sejam repatriados. O pagamento do IR é em parcela única e o contribuinte terá uma redução de 50% nas alíquotas, caso aplique pelo menos a metade do valor dos seus bens e direitos em cotas de fundos de investimentos em infraestrutura.
As vantagens que o PL dá para o contribuinte regularizar sua situação com o fisco, podem ser traduzidas para o governo como uma saída para seu caixa. Em tempo de crise, buscar entrada de recursos no País e direcioná-lo para o setor de infraestrutura parece um bom negócio. "O que vemos no projeto é um problema comum a todo tipo de remissão: em um primeiro momento tem-se um benefício, mas a longo prazo fica claro o prejuízo com as benesses oferecidas àqueles que não cumprem com as obrigações tributárias", diz Luiz Antônio Benedito, diretor de Estudos Técnicos do Unafisco. "Programas desse gênero geram aumento de arrecadação, mas em um tempo e espaço curto, as pessoas que entraram são excluídas, porque pagarem", completa.
Para Delarue, é inaceitável recorrer a crise como justificativa de repatriar bens e direitos no exterior e promover regularização fiscal das pessoas físicas contribuintes do imposto de renda que detenham, no exterior, bens e direitos não declarados ou que, estando no País, não foram declarados à Receita Federal do Brasil.
Não há como calcular o quanto de dinheiro o Brasil seria capaz de recuperar para seus cofres com esse projeto. Existem estimativas, mas segundo Delarue, esses números não passam de especulação. "Para saber o quanto essa medida poderia trazer de volta ao País, teríamos que saber o quanto foi mandado para fora e quanto desses sonegadores estariam dispostos a repatriar", explica. "Existem outras formas de trazer esse dinheiro aumentando a investigação e os tratados bilaterais de cooperação com outros países".
Além da proposta não prever a necessidade de comprovação da origem do dinheiro, o PLS 443/2008 também concede anistia penal para os contribuintes que optarem pela declaração e/ou repatriação. "Para o infrator essa medida é um bom negócio", diz Benedito. "O problema é o comichão político em ver a geração de benefícios instantâneos, e depois o reflexo fica para o próximo arrumar", afirma Benedito. O presidente do Unafisco aponta ainda um senso de 'oportunismo' no projeto. "Agora, por exemplo, as pessoas estão perdendo dinheiro fora do Brasil e há interesse de voltar para ganhar aqui, usufruindo dos juros".
Segundo detalha o estudo do Unafisco, "as instituições financeiras poderão atuar como agentes fiduciários dos contribuintes que optarem por declarar seus bens e direitos . O contribuinte tem a opção de internar estes recursos no Brasil por meio de instituições autorizadas a trabalhar com câmbio e, estando eles no Brasil, ainda poderá optar por mantê-los numa conta bancária em moeda estrangeira, já que o projeto dá competência para o Conselho Monetário Nacional normatizar a matéria", diz. "O capital repatriado poderá permanecer numa conta bancária em dólar, euro etc., à espera do melhor momento para a conversão em reais", acrescenta.
O texto original prevê a concessão dos benefícios para o ano-base 2008, exercício financeiro 2009 e a nova tabela do IR ainda não havia sido anunciada.